Henrique Jambiski Pinto dos Santos (Foto: Divulgação) |
Para se combater um problema, nada melhor do que compreender a causa. A questão que pairava sobre os produtores rurais no início dos anos 90 era intrigante: como pode o agronegócio brasileiro ser tão competente e rentável, protegido por uma das melhores legislações agrárias do planeta e ainda assim estar tão endividado? A resposta começou a ser costurada em 1993, quando o Congresso Federal instalou uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, presidida pelo então Deputado Federal Jonas Pinheiro, cujo objetivo era investigar as causas do endividamento do setor agrícola e o elevado custo dos seus financiamentos.
Realizadas dezenas de audiências e ouvidas incontáveis testemunhas, o então Presidente do Banco do Brasil, Alcir Calliari, declarou que “nem plantando maconha irrigada seria possível pagar os empréstimos agrícolas com os custos financeiros então praticados”. A CPMI tanto escavou que chegou à causa do problema: era da porteira para fora (mais precisamente da porta do banco para dentro) a origem do débito e não simplesmente uma questão de má-gestão por parte dos produtores rurais brasileiros.
Embora digno de figurar nas mais importantes bibliotecas de todo o País, o fato é que o Relatório Final da CPMI, que descortinou incontáveis práticas bancárias ilegais que geraram o infame endividamento, foi varrido para debaixo do tapete junto com uma promessa de solução a toque de caixa para o produtor. O Congresso não levaria adiante as descobertas da CPMI e em troca o agronegócio brasileiro seria “agraciado” com uma moratória agrícola que teria por objetivo revisar os débitos, expurgando as cobranças ilegais, e saneá-los através de uma prorrogação que permitisse seu pagamento. A moratória prometida veio à luz em duas etapas: a SECURITIZAÇÃO de 1996, para os débitos de até R$ 200.000,00 por pessoa física ou jurídica, e o PESA – Plano Especial de Saneamento de Ativos (1998 – 2003), para os valores que extrapolavam o limite objetivo da Securitização.
A ideia era simples. Primeiro revisar o débito e enxugá-lo das cobranças ilegais já comprovadas; depois, promover uma espécie de parcelamento que tornasse possível o seu pagamento. Assim, tanto na Securitização quanto no PESA, a primeira fase deveria ser a de recálculo e somente então, encontrado o valor real/legal do endividamento, seu saldo devedor seria reprogramado para pagamento futuro.
Ainda nessa fase, o projeto fracassou. Os bancos, já de saída, negaram a grande parte dos produtores o direito à renegociação, alegando que a redação da Lei de Securitização apenas facultava o enquadramento da dívida na moratória, mas não obrigava. Este primeiro grande entrave foi derrotado na Justiça, onde os produtores provaram seu direito e conseguiram securitizar seu débito.
O que parecia ser o fim do pesadelo, porém, era o início. Com a dívida mal recalculada (em muitos casos sem recálculo nenhum), os valores enquadrados na Securitização e no PESA acabaram sendo muito superiores aos legalmente devidos, o que tornou, para a imensa maioria dos produtores, a moratória impossível de ser paga. E não parou por aí: com a edição da Medida Provisória n. 09, ainda em 2001, que veio a ser convertida na Lei 10.437, de 2002, os débitos de Securitização e PESA dos bancos oficiais (Banco do Brasil, BASA e BNB) ainda vieram a ser transferidos para a União Federal, o que agravou em muito o problema. A União acabou recebendo nesta cessão valores irreais, criados com base em cobranças totalmente ilícitas da fase ainda bancária e, por falta de estrutura especializada, também não conseguiu resolver o problema.
O fato é que é preciso abrir de uma vez a caixa preta e resolver os débitos de Securitização e PESA. Em muitos casos nunca houve o expurgo do diferencial de Plano Collor; em outros, o recálculo não extirpou os juros indevidos; ainda, há casos em que nenhum recálculo foi eficientemente realizado. Enquanto isso, o débito sobe assustadoramente, impulsionado pelo IGP-M na fase bancária e pela SELIC na fase de execução fiscal. E mais: muitos produtores perderam – e outros tantos ainda estão por perder – suas propriedades em nome de um débito que deveria ter sido reduzido, recalculado, prorrogado e pago através do trabalho e da produção, e não da perda de patrimônio.
Até que o Congresso Federal aja e encarne novamente a coragem dos Senadores e Deputados dos anos de 1990, que ousaram questionar o Governo e os bancos para desmascarar os desmandos e ilegalidades sofridos pelos produtores rurais, cada agricultor e cada pecuarista no Brasil estará por sua própria sorte e terá que se defender na Justiça contra os débitos de Securitização e de PESA. Em seu favor estará sempre a força da Lei e da jurisprudência, que asseguram ao produtor o direito de abrir, por sua própria conta e esforço, a caixa de pandora da moratória dos anos 90 e recalcular na Justiça os débitos, de forma a poder pagar com trabalho e não com a perda de bens.
Não se pode também esquecer que no caso específico do PESA – Plano Especial de Saneamento de Ativos, o problema é ainda mais complexo. Para obter o enquadramento do débito no PESA, o produtor adquiriu – e cedeu ao banco – títulos da dívida pública (CTN´s – Certificados do Tesouro Nacional) no valor nominal da dívida. Assim, se o produtor comprou CTN´s para alongar uma dívida de, por exemplo, um milhão, e prova na Justiça que seu débito não passa de seiscentos mil, não basta reduzir a dívida nos moldes da Lei: é preciso também garantir ao produtor a devolução de todo título da dívida pública comprado em excesso.
Embora muito já tenha sido discutido no Congresso sobre a adoção de uma espécie de REFIS RURAL para estes débitos de Securitização e PESA, assim como uma anistia ampla e irrestrita, o fato é que hoje cabe ao produtor se defender, muitas vezes na Justiça, para obter a redução do débito e a devolução dos CTN´s comprados em excesso. Muitas vezes porque falta à toda a sociedade urbana a real compreensão de que anistia, neste caso, não é benefício, mas sim Justiça. Por isso que, na maioria das vezes, para se combater um problema, nada melhor do que compreender a causa.
Henrique Jambiski Pinto dos Santos é advogado agrarista com milhares de casos resolvidos em todo o País e defende o produtor rural há mais de 25 anos. Formado pela Universidade Estadual de Maringá e Pós-graduado em Títulos de Crédito, Recuperação Judicial e Falência, é Presidente da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB de Maringá – PR e fundador da Banca Advocatícia AgroJusto – Jambiski e Morais Advogados Associados (www.agrojusto.com.br).
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